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Crash

Aline Setton e Érica Storer

Curadoria: Henrique Menezes

Julho 2023

Tão fascinante quanto tensa, imaginar a performance de uma equilibrista evidencia a fragilidade humana contrapondo-se à mais densa concretude: a única certeza dessa narrativa é a solidez dos pontos de partida e de chegada: confiamos que os prédios não vão colapsar, que os alicerces vão garantir estabilidade e que sua estrutura seguirá imóvel. Toda imprevisibilidade, fraqueza ou possibilidade de erro é associada aos limites do corpo e da mente: o cálculo dos movimentos foi impreciso, os ensaios não se provaram suficientes, o tônus não suportou: foram as faculdades humanas as responsáveis pelo anticlímax. Os elementos envolvidos no feito épico de atravessar o vão livre nos servem como abstração para pensar as obras de Aline Setton e Érica Storer, artistas que manipulam cenas altamente racionais para alcançar uma deformação lírica e onírica da experiência visual. Para além da materialidade evidente que empregam — linhas tensionadas, materiais rígidos, cortes oblíquos e formas fragmentadas —, seus trabalhos são assentados em uma atmosfera embaralhada: seja através da pintura, da escultura, da instalação ou da performance, percebemos sempre um intento de d-e-s-o-r-i-e-n-t-a-ç-ã-o.

Em O Retorno do Real — um dos tratados mais relevantes à reflexão da arte contemporânea publicado na virada do milênio —, Hal Foster emprega dois conceitos que nos aventam possíveis rumos para adentrar a produção de Setton e Storer. Em um campo semântico emprestado da Física, o fenômeno denominado parallax sugere o deslocamento aparente de um objeto por conta da mudança do ponto de vista do observador: mesmo inerte, um corpo pode ter sua posição relativa alterada de acordo com a perspectiva pela qual o fitamos: fica evidente a traição ótica e a imprecisão de uma certeza guiada pela percepção. Por sua vez, o termo deferred action, cunhado originalmente por Lacan, remete à evidência psicanalítica de que a experiência do trauma não é um acontecimento único, podendo ressurgir em momentos que reverberam o abalo fundador: seja na História ou na consciência individual, não há como ignorar um rastro: por suas fissuras ou por suas feridas, o passado se reencena.

Sem a pretensão de esgotar perguntas-complexas em respostas-fáceis ou encarcerar em territórios seguros a produção individual das duas artistas, nos alenta recorrer, mais uma vez, à cena da equilibrista: como espectadores, ao olharmos desde o solo, temos a certeza de que ela está facejando as nuvens, tão próxima ao limite do céu; lá no topo, contemplativa e concentrada em sua missão, a ela resta aspirar fundo, prender o ar e pisar firme em um terreno que nenhuma estabilidade oferece: a velocidade é um risco e dar um passo atrás não é opção.

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